9.3.04
E NO MEIO DE COISAS GUARDADAS...
“É inexplicável descrever uma existência vazia.
Porque, garotas da minha idade, teoricamente, devem estar se preocupando com orientações sexuais de revistas adolescentes, roupas novas e coloridas que acompanhem a moda ou, pelo menos, com coisas do tipo ‘como o menino do segundo ano é bonito’.
Tenho implícito no meu espírito que, para ser uma boa menina [ou pelo menos considerada], eu devo me fantasiar de ‘uma pequena boneca’ e seguir esses padrões mórbidos estabelecidos para uma idade tão simples e ao mesmo tempo, tão complexa como a minha.
Eu vejo um mundo de garotas perdidas. De pequenas madames, de pequenas donas-de-casa, de pequenas vadiazinhas, de pequenas crianças carregando outras crianças.
Eu acordo a cada dia imaginando como esse ambiente todo vai interferir na minha vida. O quanto essas ‘amizades’ vão influenciar meu comportamento. O quanto ‘não-aceita’ eu sou quando levanto a mão na aula de história e encho a boca pra falar que esse país é uma merda porque temos uma professora que não se preocupa em nos mostrar a realidade; apenas fatos históricos pré-determinados por uma gestão de militares que ainda deixou seus resquícios gravados à ferro e fogo nas nossas memórias.
Eu não imagino que dessa sala de aula sairá um grande líder, um grande escritor, um grande político ou um grande profeta. Eu olho para essas pessoas e vejo o futuro pai de família desempregado, a futura dona de casa à espera do terceiro filho, o futuro motorista bêbado que cometeu homicídio culposo.
Eu vejo essa sala de aula como uma sala vazia, fria e com eco. E me vejo aqui, neste mesmo lugar, falando ou escrevendo sozinha. Olhando pra uma lousa coberta de mentiras, com exceção das aulas de física, química e matemática. Essas, aliás, me interessam tão pouco porque sei que não posso questionar nada, apenas aceitar que a soma dos quadrados dos catetos é igual a hipotenusa.
Eu vejo essas crianças [inclusive eu], que já se acham adultas e penso comigo: ‘Mal sabem elas o que vem pela frente’.
Porque crescer não tem sido fácil. E passa a ser pior ainda quando você não enxerga sentido algum em tudo aquilo que está fazendo.
Essas foram as minhas férias”.
* * *
Esse foi um texto que eu encontrei ontem, enquanto arrumava meu quarto, dentro da agenda que eu fazia quando tinha 14 anos. Eu estava na oitava série e a professora de Literatura havia pedido pra gente fazer uma redação cujo tema era “Minhas férias”. E me lembro como se fosse hoje dessa mesma professora me chamando depois da aula e dizendo: “Precisamos falar com seus pais a respeito disso”.
“É inexplicável descrever uma existência vazia.
Porque, garotas da minha idade, teoricamente, devem estar se preocupando com orientações sexuais de revistas adolescentes, roupas novas e coloridas que acompanhem a moda ou, pelo menos, com coisas do tipo ‘como o menino do segundo ano é bonito’.
Tenho implícito no meu espírito que, para ser uma boa menina [ou pelo menos considerada], eu devo me fantasiar de ‘uma pequena boneca’ e seguir esses padrões mórbidos estabelecidos para uma idade tão simples e ao mesmo tempo, tão complexa como a minha.
Eu vejo um mundo de garotas perdidas. De pequenas madames, de pequenas donas-de-casa, de pequenas vadiazinhas, de pequenas crianças carregando outras crianças.
Eu acordo a cada dia imaginando como esse ambiente todo vai interferir na minha vida. O quanto essas ‘amizades’ vão influenciar meu comportamento. O quanto ‘não-aceita’ eu sou quando levanto a mão na aula de história e encho a boca pra falar que esse país é uma merda porque temos uma professora que não se preocupa em nos mostrar a realidade; apenas fatos históricos pré-determinados por uma gestão de militares que ainda deixou seus resquícios gravados à ferro e fogo nas nossas memórias.
Eu não imagino que dessa sala de aula sairá um grande líder, um grande escritor, um grande político ou um grande profeta. Eu olho para essas pessoas e vejo o futuro pai de família desempregado, a futura dona de casa à espera do terceiro filho, o futuro motorista bêbado que cometeu homicídio culposo.
Eu vejo essa sala de aula como uma sala vazia, fria e com eco. E me vejo aqui, neste mesmo lugar, falando ou escrevendo sozinha. Olhando pra uma lousa coberta de mentiras, com exceção das aulas de física, química e matemática. Essas, aliás, me interessam tão pouco porque sei que não posso questionar nada, apenas aceitar que a soma dos quadrados dos catetos é igual a hipotenusa.
Eu vejo essas crianças [inclusive eu], que já se acham adultas e penso comigo: ‘Mal sabem elas o que vem pela frente’.
Porque crescer não tem sido fácil. E passa a ser pior ainda quando você não enxerga sentido algum em tudo aquilo que está fazendo.
Essas foram as minhas férias”.
* * *
Esse foi um texto que eu encontrei ontem, enquanto arrumava meu quarto, dentro da agenda que eu fazia quando tinha 14 anos. Eu estava na oitava série e a professora de Literatura havia pedido pra gente fazer uma redação cujo tema era “Minhas férias”. E me lembro como se fosse hoje dessa mesma professora me chamando depois da aula e dizendo: “Precisamos falar com seus pais a respeito disso”.